O muro de arrimo do "doutorzeco"
Cláudio de Moura e Castro – Revista Veja – Abril 2013
A notícia trágica
desaba sobre uma universidade séria: levou bomba no MEC o curso de engenharia
civil!
O assunto justifica
infindáveis elucubrações, mas me detenho apenas em um aspecto, por ser uma
birra minha, por décadas.
Na justificada ânsia
de consertar, foram trocados seis professores.
Não tinham mestrado
e foram substituídos por doutores em tempo integral, como gosta o MEC.
Com isso, atendesse
a uma das exigências para reabrir os vestibulares.
Esse remendo está no
epicentro de um dos maiores equívocos do MEC.
A legislação do
ensino superior veio da cabeça de cientistas — alguns notáveis.
Por isso, as
atividades clássicas de pesquisa nas áreas científicas foram corretamente
tratadas e valorizadas.
Lastimavelmente,
esse marco legal ignorou a existência, dentro do ensino superior, de cursos
profissionais e de serviço.
Em engenharia,
direito, administração, pedagogia e outros é necessário somar bons professores
nas disciplinas de formação teórica aos das aplicadas.
E, de quebra, cumpre oferecer a experiência
prática de aplicar.
Em um livro clássico
(The Reflective Practitioner), D. Schoen fala das ruminações não verbalizadas
dos profissionais ao realizar o seu trabalho.
São descritas como
experiência tácita, "teoria do olho clínico", ou o interstício não
codificado entre o que descreve a teoria e o ato de fazer.
Daí que:
1) adquirir essa metalinguagem é pane inseparável da
profissionalização.
2) apenas verdadeiros profissionais podem transmitir essa
dimensão do profissionalismo.
3) leva tempo para formar um profissional.
Um belo exemplo é
dado pelo programa de um hospital australiano que, por seu sucesso, foi
replicado pelo mundo afora.
A direção do hospital
notou castro que morriam três quartos dos pacientes por parada cardíaca.
Identificando o
problema como demora no atendimento, criou uma equipe sempre pronta para agir
tão logo ouvisse pelos alto-falantes o termo "Code Blue".
Com isso caiu a
mortalidade, mas apenas alguns pontos porcentuais.
Nova providência: qualquer médico ou
enfermeira poderia acionar o Code Blue, mesmo que os sinais vitais do paciente
estivessem normais.
Ou seja, se o jeitão
estivesse suspeito, mesmo sem os sintomas clássicos poderiam soar o alarme.
Surpresa!
A mortalidade caiu
para menos da metade.
Moral da história: o que salva os pacientes é o que não está nos livros de medicina, mas
na "teoria da prática".
É o "olho clínico".
O próprio médico não
sabe explicar por que chegou a tal diagnóstico, mas intui que algo está errado.
Os novatos precisam
adquirir tal experiência, mas apenas quem a tem pode oferecê-la.
Portanto, cada
disciplina requer professores com o perfil talhado para ela.
Do professor de
cálculo, nada melhor do que exigir um doutorado.
Mas o professor que
ensina a construir prédios deveria ser alguém que acumulou anos no canteiro de
obras.
Se houvesse doutores
com essa experiência, tanto melhor.
Mas não há, pois
doutorados preparam para a pesquisa e para a universidade.
Se o MEC melhora as
notas de quem substitui verdadeiros profissionais por jovens doutores que nada
sabem de construir prédios o resultado desse equívoco é grotesco.
Premia quem ensina uma profissão que não tem
apenas leu livros e escreveu papers.
Os professores
dispensados, com mais de 35 anos de experiência, tinham escritório de
engenharia respeitado e prestavam consultoria.
E obviamente,
ensinavam em tempo parcial, pois não poderiam abandonar sua empresa.
Para os alunos, isso
é ótimo, assegura que o professor ensina a engenharia que se pratica de
verdade.
Para o MEC, tempo
parcial perde ponto.
Não deveria ser o contrário, perder ponto se
fosse tempo integral?
Igualmente ausente das políticas públicas é a
valorização da competência na sala de aula.
É a didática do
cotidiano, adquirida com a experiência.
No caso, professores consagrados e estimados
pelos alunos foram substituídos por jovens que ainda vão aprender a dar aula.
Péssimo para os
alunos, mas não comove o MEC.
Conversa de corredor
na universidade: "Pois é, tiraram
nossos engenheirões e os substituíram por "doutorzecos" que jamais
fizeram um muro de arrimo".
Quem tem razão, os
alunos ou o MEC?
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